"Só sei que nada sei.” Com essas palavras Sócrates reagiu ao pronunciamento do oráculo de Delfos, que o apontara como o mais sábio de todos os homens. O pensador foi o primeiro do grande trio de antigos filósofos gregos, que incluía ainda Platão e Aristóteles, a estabelecer, na Grécia antiga, os fundamentos filosóficos da cultura ocidental. Sócrates nasceu em Atenas por volta do ano 470 a.C. Era filho de uma parteira, Fenarete, e de Sofronisco, homem bem relacionado nos meios políticos da cidade. Como não deixou obras escritas, tudo o que se sabe de sua vida e de suas idéias é o que relatam principalmente autores como Platão e Xenofonte. Segundo os escritos de Íon de Quios e Aristóxenes, Sócrates teria estudado com Arquelau, discípulo de Anaxágoras, o primeiro filósofo importante de Atenas. Na juventude, participou de várias batalhas da guerra do Peloponeso. Casou-se tardiamente com Xantipa e teve três filhos. Sócrates era o oposto do ideal clássico de beleza: tinha o nariz achatado, os olhos esbugalhados e a barriga saliente. Sempre cercado de jovens discípulos, gozava de muita popularidade em Atenas, embora seus ensinamentos também lhe valessem grande número de inimigos. Passava a maior parte do tempo ensinando em lugares públicos, como praças, mercados e ginásios, mas ao contrário dos filósofos profissionais -- os sofistas, que combatia com vigor -- não cobrava por suas lições. Evitava intervir diretamente em assuntos políticos. Pelo menos uma vez, no entanto, entre 406 e 405 a.C., integrou o conselho legislativo de Atenas. Em 404 a.C., arriscou a vida por recusar-se a colaborar em manobras políticas arquitetadas pela dinastia dos Trinta Tiranos, que governava a cidade.
Pensamento. Segundo palavras de Cícero,
"Sócrates fez a filosofia descer dos céus à terra". Antes, os
filósofos buscavam obsessivamente uma explicação para o mundo natural, a
physis. Para Sócrates, no entanto, a
especulação filosófica devia se voltar para outro assunto, mais urgente: o
homem e tudo o que fosse humano, como a ética e a política. Sócrates dizia que a filosofia não era
possível enquanto o indivíduo não se voltasse para si próprio e reconhecesse
suas limitações. "Conhece-te a ti mesmo" era seu lema. Para ele, a
melhor maneira de abordar um tema era o diálogo: por meio do método indutivo
que denominou "maiêutica", numa alusão ao ofício de sua mãe, era
possível trazer a verdade à luz. Assim, ele se voltava para os outros -- quer
fossem um adolescente como Lísias, um militar como Laques ou sofistas
consagrados como Protágoras e Górgias -- e os interrogava a respeito de
assuntos que eles julgavam saber. Seu senso de humor confundia os
interlocutores, que acabavam confessando sua ignorância, da qual Sócrates
extraía sabedoria. O exemplo clássico da aplicação da
maiêutica é o diálogo platônico intitulado Mênon, no qual Sócrates leva um
escravo ignorante a descobrir e formular vários teoremas de geometria. A
indução, finalmente, consiste na apreensão da essência (do universal que se
acha contido no particular), na determinação conceitual e na definição. Não se
trata, para Sócrates, de definir a beleza do cavalo, dos objetos inanimados, do
escudo, da espada ou da lança, por exemplo, mas a beleza em si mesma, em sua
essência ou determinação universal. Segundo Aristóteles, a indução e a
definição podem ser atribuídas a Sócrates, cujo pensamento, a rigor, não se
confunde com o de Platão. A teoria socrática das essências, no entanto,
preparou a teoria platônica das idéias. Desinteressado da física e preocupado
apenas com as coisas morais, a antropologia socrática é a essência capaz de
regular a conduta humana e orientá-la no sentido do bem. A virtude supõe o
conhecimento racional do bem, razão pela qual se pode ensinar. O que há de
comum entre todas as virtudes é a sabedoria, que, segundo Sócrates, é o poder
da alma sobre o corpo, a temperança ou o domínio de si mesmo. Possibilitando o
domínio do corpo, a temperança permite que a alma realize as atividades que lhe
são próprias, chegando à ciência do bem. Para fazer o bem basta, portanto,
conhecê-lo. Todos os homens procuram a felicidade, isto é, o bem. Assim, o
vício não passa de ignorância, pois ninguém pode fazer o mal voluntariamente. Sócrates lançou as bases do
racionalismo idealista, que seu discípulo Platão desenvolveu mais tarde em sua
teoria das idéias. O método e as intenções de Sócrates constituíram o início da
reação helênica contra o relativismo defendido pelos sofistas, que tinha levado
o pensamento filosófico à ruína. Diante do crescente individualismo e da crise
de valores que ameaçavam a democracia ateniense, depois do declínio do culto às
divindades gregas, questões sobre a melhor forma de governo e a moral
individual tornaram-se prementes. Entretanto, a resposta de Sócrates, que
pregava um sistema moral absolutamente alheio às doutrinas religiosas e admitia
a aristocracia -- governo dos melhores -- como a forma desejável de
administração do estado, fez com que se indispusesse com as autoridades
conservadoras, o que lhe custou a vida. Condenação à morte. No ano 399 a.C.,
Sócrates foi acusado de corromper a juventude e desdenhar o culto aos deuses
tradicionais. Ao que parece, a acusação fora motivada pelo fato de ter sido ele
o educador de Alcibíades e Crítias, considerados traidores da democracia. O
processo foi montado de modo a forçar o pensador a contrariar suas idéias e a
retratar-se. A maioria dos comentadores concorda que ele teria sido poupado se
não se mostrasse tão inflexível. Sócrates manteve diante do tribunal a mesma postura irônica de sempre, o
que aumentou a irritação dos juízes. À tradicional pergunta sobre qual pena o
réu considerava justa para si próprio, Sócrates respondeu que, tendo prestado
tantos serviços à cidade, achava justo receber uma pensão vitalícia do estado.
Além disso, declarou que não aceitaria o degredo. Foi o bastante para que o
tribunal o condenasse à morte. A sentença, envenenamento com cicuta,
foi executada tempos depois. Na prisão, continuou a receber amigos e discípulos
para debater assuntos como a morte e a imortalidade da alma. Rejeitou vários
planos de fuga elaborados por Critão e outros amigos. Suas últimas palavras
foram para encomendar o sacrifício de um galo a Esculápio, o deus a quem se
atribuía a cura da fadiga e dos males da vida.
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